Estudantes que vão à escola e trabalham terão passagens cobradas no cartão até que vale-transporte esgote – a partir de então o passe livre começará a ser descontado
SÃO PAULO – Há dez dias, a Prefeitura de São Paulo alterou o sistema de desconto para o passe livre e o vale-transporte. Os usuários reclamam que não foram avisados da mudança. Estudantes que vão à escola e trabalham agora terão as passagens cobradas no cartão até que o vale-transporte esgote – a partir de então o passe livre começará a ser descontado. A mudança, que afeta 30 mil usuários, não foi divulgada em canais oficiais da São Paulo Transporte (SPTrans) e ocorreu no dia 15 de abril, durante o feriado da Páscoa.
Antes, quando o estudante passava o bilhete único na catraca, a ordem de desconto era: primeiro o benefício estudantil, depois o vale-transporte e por fim o bilhete unitário comum. No campo de Dúvidas Frequentes, a ordem já foi modificada: agora, o vale-transporte passou a ser o 1º lugar.
Nas redes sociais, estudantes comparam o Manual do Estudante – com informações detalhadas sobre o benefício – e o canal de Dúvidas Frequentes, apontando a mudança na documentação sem informar os usuários. O Estado buscou no site da SPTrans o Manual do Estudante, mas o link para o documento resultava em erro e “página não encontrada”.
Regulamentada em fevereiro de 2015 pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT), a política do passe livre determinou que os estudantes têm direito a 48 viagens nos meses de aula e 24 durante as férias, nos meses de julho e dezembro.
Além dos estudantes do ensino fundamental, médio, técnico e EJA, da rede pública, outros alunos têm direito ao benefício, como bolsistas do Programa Universidade para Todos (Prouni), financiados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), além de estudantes do ensino superior da rede pública que comprovem renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo nacional.
Nesta segunda, o secretário municipal de transportes de São Paulo, Sérgio Avelleda, disse somente que “distorções precisam ser corrigidas” no sistema de gratuidades dos coletivos de São Paulo, destacando, entre as distorções, os descontos de estudantes que também trabalham. Avelleda, porém, não informou que a mudança já havia ocorrido há dez dias.
“É um problema quando você concede (gratuidades) indiscriminadamente. Estudante ter o passe escolar e fazer oito viagens diárias em nome do passe escolar gera uma forte despesa no sistema. Ele trabalha e não recebe mais o vale-transporte porque o passe de estudante já cobre, inclusive, o deslocamento para o trabalho. Isso é um equívoco. Essas distorções precisam ser corrigidas”, afirmou o secretário. Doria já havia dito ao Estado, ao completar 100 dias de governo, que revisaria as gratuidades do transporte público, mas não chegou a informar prazo.
De acordo com a SPTrans, a medida visa “a manter a finalidade de cada benefício”. Em nota, a entidade disse que “trata-se apenas de uma modificação na rotina nos validadores, sem implicações na política tarifária”.
O historiador Gustavo Lion Oliveira, de 22 anos, relata que a tia – beneficiária do passe livre estudantil – descobriu a mudança “por acaso”. A auxiliar de cozinha Márcia Aparecida, de 46 anos, trabalha de auxiliar de cozinha durante a manhã e cursa a Escola de Jovens e Adultos (EJA) no período da noite. Ao todo, por dia, faz seis viagens de ônibus. Um dia, conta Gustavo, a tia percebeu que o vale-transporte estava sendo descontado no deslocamento para a escola. “Poderiam ter comunicado pelo menos no site. Era o mínimo”, queixa-se o historiador.
“Minha tia parou de estudar na 5ª série. Quando queria voltar a estudar, a primeira coisa que me disse foi: ‘Não vou ter dinheiro para a passagem’. Expliquei que ela tinha direito ao passe livre, e agora ela já está cursando a 8ª série, terminando o supletivo. Essa alteração no passe livre vai impactar no bolso dela. Chegará um ponto em que não vai ter condições de estudar e trabalhar”, afirmou.
Procurada, a SPTrans disse que a medida visa a “manter a finalidade de cada benefício: Passe Livre para garantir o transporte à escola e vale-transporte para o deslocamento até o trabalho, evitando qualquer possibilidade de desperdício de dinheiro público”.
Fonte: Estadão